Não haverá uma nova relação com a natureza
sem um ser humano novo.
(Papa Francisco, in Laudato Si, n.118)
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Todos responsáveis pela casa comum
Manuela Silva
Julho-Agosto 2015
«A recente encíclica do Papa Francisco sobre a responsabilidade de todos os habitantes do Planeta pelo cuidado da Terra, a nossa casa comum, veio reacender o debate em torno de questões fundamentais de sustentabilidade do equilíbrio ecológico, desde o aquecimento global, às ameaças que pesam sobre a redução da biodiversidade, a acumulação dos lixos, as múltiplas causas de poluição do ar, dos rios e dos mares, a contaminação dos solos, a desflorestação de vastos territórios, a questão energética.
Cresce a convicção de que a Humanidade está a viver numa situação potencialmente catastrófica, pela qual é responsável, já que tal resulta das tecnologias em uso, das bases em que assenta a economia, do modo de organização das sociedades, dos estilos de vida, caracterizados pela avidez consumista de uns e a extrema pobreza de outros e do descaso de todos pelo cuidado com o Planeta e pelo bem comum.
A actual crise ecológica não é dissociável da crise social que se manifesta nas manchas de extrema pobreza à escala mundial e na abissal desigualdade de oportunidades de acesso ao conhecimento e aos bens materiais, situações estas que, por sua vez, decorrem de uma economia assente na avidez do lucro e na centralidade do dinheiro, em vez de se alicerçar em objectivos de qualidade de vida das pessoas e de prossecução do bem comum.
Faltam certamente grandes reformas de regulação do sistema económico e financeiro (a nível dos países e regiões, como também a nível supranacional) para fazer face às disfuncionalidades, correntes e crescentes, da mundialização, que introduzam e imponham novas racionalidades capazes de integrar os direitos de todos os humanos e demais seres vivos que habitam no Planeta, sem esquecer a salvaguarda dos recursos necessários às gerações futuras.
Há mais de 50 anos que se vem alertando para esta necessidade; contudo, os esforços que, até agora, foram desenvolvidos, não têm produzido os efeitos desejados. O resultado é o que conhecemos e lembra os versos de Sophia de Mello Breyner: vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar…
Para enfrentar a gravíssima crise ecológica com que estamos confrontados, há que ter a coragem de a reconhecer nas suas múltiplas e imbricadas facetas e ter a ousadia de querer superar as suas causas mais profundas: as raízes antropológicas, espirituais e filosóficas que lhe subjazem.
Como bem lembra o Papa Francisco: Não haverá uma nova relação com a natureza sem um ser humano novo (n.118) e sem uma nova cultura que integre um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao paradigma tecnocrático (n.111).
A construção do ser humano novo é, desde logo, tarefa indeclinável de cada pessoa e pertence, intrinsecamente, ao foro da sua responsabilidade, devendo, no entanto, ser incentivada e apoiada pelas instâncias que, nas sociedades, desempenham um papel particular de educação e de transmissão de conhecimento, de valores e de princípios éticos». Continue a ler.