domingo, 21 de outubro de 2012

«O PAÍS DAS PESSOAS DE PERNAS PARA O AR»



Entre outros propósitos há um que marca este blogue, o relacionado com a criação de uma «cultura de igualdade» no quotidiano das pessoas, e nesta atmosfera há muito que estava na minha ideia trazer para aqui «O país das pessoas de pernas para o ar». Quando foi publicado pela primeira vez eu já era adulta mas lê-lo foi encantatório. À distancia: é um hino à diferença, ao jogo dos contraditórios, ao nonsense. É, como já muitos disseram, um poema.  É «criatividade e humor invulgares». Mais tarde soube disto:  «O primeiro livro "para" crianças que Manuel António Pina escreveu tinha por título O País das Pessoas de Pernas para o Ar. Foi em 1973 e obrigou-o "a uma conversa com a PIDE, por ter desrespeitado a religião católica". Motivo: a história O Menino Jesus não Quer Ser Deus. O autor contou este episódio na XVIII Conferência de Literatura Infantil da Gulbenkian, altura em que disse também: "Eu sei lá para quem é que escrevo." E assim reforçou a embirração que se lhe conhece com a fórmula "literatura 'para' crianças"». E procurando na internet, no Públco online, pude ler: «Seria esta obra que viria "a estimular muitos autores a entrar no mundo da literatura infantil", disse ao PÚBLICO o escritor Álvaro Magalhães. "Eu próprio não me teria aventurado antes."  (...) Amigos há 30 anos, Álvaro Magalhães chamou-lhe "Navegador solitário" num artigo que escreveu para o Jornal de Letras em 2008 sobre o agora prémio Camões. "Pois bem, os livros ditos infantis do Manuel António Pina são um pouco assim: como se fossem literatura para adultos, mas tão melhores que até as crianças os podem ler." Depois desta obra inicial, seguiram-se outras igualmente inovadoras, como Gigões & Anantes, O Têpluquê, Perguntem aos Vossos Gatos e Cães ou O Inventão. Este último, para Álvaro Magalhães, "um cânone de rigor e invenção verbal, é talvez o melhor livro de sempre da literatura infantil"».
Neste universo, os textos de Manuel António Pina "são sempre poemas". É uma literatura que assenta na materialidade da linguagem, conjugada com humor e nonsense. Um talento ímpar em virar as palavras do avesso (ou de "pernas para o ar")».
«O País das Pessoas de Pernas para o ar» faz parte  do
Plano Nacional de Leitura  e é  recomendado para o 3º ano de escolaridade, destinado a leitura autónoma e leitura com apoio do professor ou dos pais. Está apresentado assim:
«Um país onde as pessoas vivem de pernas para o ar
A vida de um peixinho vermelho que escrevia um livro que a Sara não sabia ler.
Um menino Jesus que não queria ser Deus.
Um bolo que queria ser comido mas que não o foi por causa do pecado da gula.

Em cada história deste livro, que teve a sua primeira edição no já distante ano de 1973, Manuel António Pina, autor de um extenso conjunto de livros para crianças e jovens, supreende-nos e diverte-nos com as narrativas que apresenta».
Infelizmente, foi a morte de Manuel António Pina que nos levou a este post. Mas a sua obra é diversa e não apenas «infantil». Um poema  que muito me toca:
 
 
  
A Poesia Vai Acabar
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —


Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

E  leia o que o que a ex- DGLB escreveu no passado  18-10-2012:
Manuel António Pina: a morte de um grande homem.
Morreu Manuel António Pina, Prémio Camões 2011, poeta, escritor. Foi colaborador da DGLB durante muitos anos, através das comunidades de leitores que liderava nas Bibliotecas Municipais, integradas no Programa de Itinerâncias de Promoção da Leitura. Deixa saudades aos seus leitores e, em particular, aos seus amigos.
 

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