Do autor sobre o livro, numa entrevista ao semanário SOL de 13 de março de 2017 :
«(...)
Como é colocar-se na cabeça de uma mulher, como neste
romance?
Não é nada de extraordinário. Sempre me dei bem com o
chamado universo feminino. É algo de educação, eu era muito
cúmplice da minha mãe. Nós éramos três rapazes, mas eu era
o mais cúmplice com ela. Éramos até fisicamente muito
parecidos. Tanto o meu pai como ela já morreram, mas ela
viveu até aos 90 e tal anos. Eu, com as mulheres que amei,
com as que desamei, com amigas sempre presentes, e outras
que foram aparecendo com o caminho, e outras que são
relativamente recentes, tenho uma empatia natural. E não faço
nenhum alarde disso. Aquilo que não compreendo muito bem
é como há gente que diz que a natureza feminina é um
mistério e que não compreende as mulheres.
(...)
No livro há uma espécie de ponto de rutura quando
um dos protagonistas principais tem um conflito
numa peça com uma colega que começa a
enlouquecer. Esta capacidade de se meter na cabeça
dos outros é perigosa?
Há duas personagens principais no livro, a Eugénia
e o Artur, que só entra na segunda parte da
história mas que é determinante, até porque
estamos a falar da história de um grande amor. A
degradação desse Artur começa logo com o
suicídio dele na primeira página. Ele é ator e, ao
contrário dela, tem sempre um rumo
determinado. Ela é uma personagem forte, mas
tem valores uni pouco flutuantes. As personagens
fortes não têm que ser exemplares, isto não é um
livro pedagógico. E do ponto de vista dramatúrgico
até convém que sejam imperfeitas. Ela vai tendo
vários empregos, e ele, desde que é jovem adulto,
quis ser ator. Quando estava em processo de
elaboração das personagens, achei que isso de ser
ator era interessante, porque um narrador e
ficcionista cria outras vidas, o dramaturgo cria
vida até noutros países e noutras épocas. Achei
piada escolher um ator para personagem porque o
ator é aquele que, por essência, vai encarnar uma
outra pessoa. E essa pessoa vai estar num ponto de
viragem narrativo, quando ele está a fazer uma
peça, em que as duas personagens principais são
um casal que se odeia e que são muito violentos, e
esse mal, a certa altura...
(...)».
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