quinta-feira, 15 de maio de 2014

LUIZA NETO JORGE




No passado dia 9 a Casa Fernando Pessoa teve o Dia Luiza Neto Jorge. E com isso lembrámo-nos de a trazer para o  Em Cada Rosto Igualdade. Da base de dados da DGLB:

Poeta e tradutora. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mas desistiu do curso e foi viver para Paris, onde permaneceu durante oito anos (1962-70). 
Ainda hoje é considerada a personalidade de maior destaque do grupo de poetas que se reuniu em torno de Poesia 61, no âmbito do qual publicou Quarta Dimensão. Não foi essa, todavia, a sua estreia literária. O primeiro livro foi Noite Vertebrada (1960), a que iria seguir-se uma obra escassa mas de obrigatória referência. 
Joaquim Manuel Magalhães assinala com veemência que, «numa geração que não conseguiu escapar ao maneirismo gramatical, ao tédio de uma ausência de vocações temáticas múltiplas, à insistente sobrevalorização da busca prosódica, a obra de Luiza Neto Jorge representa um esforço e um conseguimento exemplares de amplidão imaginativa, de renovação processual e de ímpeto transformador

(...)
Morreu em Lisboa pouco antes de completar 50 anos. Quando em 1993 foi coligida a obra completa, Fernando Cabral Martins, responsável pela sua criteriosa edição, diz da sua poesia que «tudo o que está nela tem o seu tempo, esse não é só o tempo em que viveu mas a falha do seu tempo e de todos os tempos». Leia na integra. Mais aqui. E o melhor é irmos à sua obra. Por exemplo:
Do Medo I

É de ti que eu sou irmã 
por ti fui trocada em criança 
quando as estrelas semearam a noite 
(Ficávamos chorando de medo 
se o laço branco da trança não desse 
para a escuridão toda do quarto) 

Tenho os silêncios que me emprestaste 
e na cidade que levantámos há pouco 
(não destruiremos nunca) 
habitam os pais 
com os não irmãos mortos à nascença 
que o eco de um flauta eternizou 

no cais dos barcos pequenos de papel 
somos irmãos de ninguém 
ancorámos com amarras de dúvida 

é nosso irmão o medo do poente 
a porta azul da morte 

Em redor em redor de nós 
a solidão voou borboleta negra de metal 
caiu enforcado público na gravata verde 
(a mesma solidão que cega 
os arcos concêntricos das pupilas) 

desde a rua ao bolor dos corpos poetas 
da porta esquecida sem número 
à mulher vendida aos ventos da noite 

sem nevoeiros asfixiamos nítidos 
nos passeios nos fatos nas cadeiras 
nas cúpulas nos clarins 

e sentes contigo os corpos das mulheres 
de bruços sobre o dia 
renascidos maduros os limites da carne 

Há nebulosas de anos sem sentido 
que vimos aprendendo o amor 

há um embrião de veia 
há uma veia atávica vermelha 
nos mil séculos anteriores ao homem 

Quando nos será possível um suicídio exacto 
em casas impossíveis 
em ondas impossíveis 
em (integralmente areia) desertos impossíveis? 

Nasceu o sol na erva a erva nos degraus 
os degraus desceram ao horizonte 

Luiza Neto Jorge
Quarta Dimensão
Poesia
organização e prefácio de
Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim
2ª edição
2001

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