No passado dia 9 a Casa Fernando Pessoa teve o Dia Luiza Neto Jorge. E com isso lembrámo-nos de a trazer para o Em Cada Rosto Igualdade. Da base de dados da DGLB:
Poeta e tradutora. Frequentou a Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, mas desistiu do curso e foi viver para Paris, onde
permaneceu durante oito anos (1962-70).
Ainda hoje é considerada a
personalidade de maior destaque do grupo de poetas que se reuniu em torno de
Poesia 61, no âmbito do qual publicou Quarta Dimensão. Não foi
essa, todavia, a sua estreia literária. O primeiro livro foi Noite
Vertebrada (1960), a que iria seguir-se uma obra escassa mas de obrigatória
referência. Joaquim Manuel Magalhães assinala com veemência que, «numa geração que não conseguiu escapar ao maneirismo gramatical, ao tédio de uma ausência de vocações temáticas múltiplas, à insistente sobrevalorização da busca prosódica, a obra de Luiza Neto Jorge representa um esforço e um conseguimento exemplares de amplidão imaginativa, de renovação processual e de ímpeto transformador
(...)
Morreu em Lisboa pouco antes de completar 50 anos. Quando em 1993 foi coligida a
obra completa, Fernando Cabral Martins, responsável pela sua criteriosa edição,
diz da sua poesia que «tudo o que está nela tem o seu tempo, esse não é só o
tempo em que viveu mas a falha do seu tempo e de todos os tempos». Leia na integra. Mais aqui. E o melhor é irmos à sua obra. Por exemplo:Do Medo I |
É de ti que eu sou irmã
por ti fui trocada em criança
quando as estrelas semearam a noite
(Ficávamos chorando de medo
se o laço branco da trança não desse
para a escuridão toda do quarto)
Tenho os silêncios que me emprestaste
e na cidade que levantámos há pouco
(não destruiremos nunca)
habitam os pais
com os não irmãos mortos à nascença
que o eco de um flauta eternizou
no cais dos barcos pequenos de papel
somos irmãos de ninguém
ancorámos com amarras de dúvida
é nosso irmão o medo do poente
a porta azul da morte
Em redor em redor de nós
a solidão voou borboleta negra de metal
caiu enforcado público na gravata verde
(a mesma solidão que cega
os arcos concêntricos das pupilas)
desde a rua ao bolor dos corpos poetas
da porta esquecida sem número
à mulher vendida aos ventos da noite
sem nevoeiros asfixiamos nítidos
nos passeios nos fatos nas cadeiras
nas cúpulas nos clarins
e sentes contigo os corpos das mulheres
de bruços sobre o dia
renascidos maduros os limites da carne
Há nebulosas de anos sem sentido
que vimos aprendendo o amor
há um embrião de veia
há uma veia atávica vermelha
nos mil séculos anteriores ao homem
Quando nos será possível um suicídio exacto
em casas impossíveis
em ondas impossíveis
em (integralmente areia) desertos impossíveis?
Nasceu o sol na erva a erva nos degraus
os degraus desceram ao horizonte
Luiza Neto Jorge
Quarta Dimensão
Poesia
organização e prefácio de
Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim
2ª edição
2001
|
Sem comentários:
Enviar um comentário