quarta-feira, 23 de setembro de 2015

RUY BELO | «Canto de Outono»


Ruy Belo – Canto de Outono


Os rouxinóis inexoráveis da primavera
trazidos até nós por certa curta carta
em que canto da noite cantarão agora
que já os frágeis frios vindimam?

E os lilases crudelíssimos de junho
inalteráveis como o céu das férias grandes
talvez desdobradas sobre a adolescência
de que nos valerão perante a insinuante música do outono?

E a mãe que o filho suga a ruga
que mãos estenderá sobre estes rostos
onde poisaram patas implacáveis dias?

E quando o vento verga os choupos do princípio
e despe os ramos dos plátanos familiares
faltará muito que nos cubram provisioriamente
as folhas fatigadas das desoladas árvores?

Já sobe a nossos pés o cedro do silêncio
Promete-nos o sol que sobre os nosso rostos
hão-de na primavera ondular os trigos.


BELO, Ruy, Antologia Poética


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