A adaptação para o teatro foi feita por Nigel
Williams.
Foi esta a versão que Pedro Alves utilizou para
este espetáculo
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CATARINA LOBO
Do trabalho de João Carneiro na Revista E do semanário Expresso desta Semana:
Pedro Alves adaptou e encenou, para o Teatromosca, “O Deus das Moscas” com um grupo exclusivamente feminino, no cenário ‘natural’ da Quinta da Ribafria
TEXTO JOÃO CARNEIRO
«Publicado em 1954, “O Deus das Moscas” foi o primeiro romance de
William Golding, e acabou por ser um dos grandes romances do século XX. O autor
recebeu, em 1979, o James Tait Black Memorial Prize, em 1980 o Booker Prize, e
em 1983 recebeu o Nobel da Literatura. “O Deus das Moscas” foi adaptado ao
cinema por Peter Brook, em 1963; por Lupita A. Concio (filme para televisão) em
1975; e por Harry Hook, em 1990. A adaptação para o teatro foi feita por Nigel
Williams, e apresentada pela Royal Shakespeare Company em 1996. É esta a versão
teatral autorizada, e é esta que Pedro Alves utilizou para conceber o
espetáculo que encenou para o Teatromosca.
No início há um grupo de rapazes, numa ilha, depois de uma guerra,
uma evacuação, um desastre de avião — um acontecimento e um passado recentes
algo sombrios, cuja memória é apagada pela descoberta da paisagem, do lugar, da
ilha. “De tudo o que pode existir de maravilhoso no mundo, nada se pode
comparar ao mar” — a descrição inicial inaugura uma espécie de visão edénica do
mundo, a partir de perceções e de descrições da natureza. “Ou seria a
juventude?”, a pergunta surge logo, para também logo ser recoberta com mais
descrições. A ilha, as palmeiras, as copas das árvores; a água transparente e
cristalina, os cardumes de pequenos peixes sempre em movimento, os verdes mais
ou menos escuros, mais ou menos profundos; as rochas, os desfiladeiros, os
penhascos, as pedras aguçadas; “no ar, borboletas voltejam excitadas”;
finalmente, e perante “um horizonte circular de água”, a exclamação quase
extática: “tudo isto é nosso”. “Nosso” começa por ser de Ralph e de Piggy; um
louro, doze anos, “… ainda não era mesmo um adolescente. Mas uma delicadeza na
boca e nos olhos não traíam qualquer maldade”; o outro “um miúdo gordo… mais
baixo do que o rapaz de cabelo alourado. Óculos espessos. Casaco de inverno”.
Encontram uma concha, um búzio, uma coisa que Piggy sabe ser valiosa. Noutros
lugares seria cara, custaria muitas libras; ali vai servir para chamar os
outros rapazes. Uns são mais novos, há dois gémeos, e há o grupo de Jack, o
chefe do coro, os que surgem “vestidos de preto. A passo certo”; têm emblemas
prateados nos chapéus, Jack tem um emblema dourado.
De início tentam
organizar-se. Tratar da água, fazer abrigos. Precisam de fogo, e para isso os
óculos de Piggy vão ser preciosos. Aos poucos, contudo, as tentativas de
organização vão-se esboroando; as chefias deixam de ser respeitadas, as tarefas
são desleixadas, o fogo apaga-se ou provoca incêndios; os do coro tornam-se
caçadores, matam porcos; na desordem progressiva, vão acabar por matar dois
rapazes, um deles Piggy, o último sinal de racionalidade na ilha; o medo, a crueldade
e a violência passam a ser as forças primordiais.Pedro Alves criou um grupo apenas feminino, que põe em relevo o carácter representacional do espetáculo, e em causa as noções e os atributos lineares de género. Fez decorrer a ação pelo espaço da Quinta da Ribafria, dividindo em dois, a certa altura, os grupos de atrizes e de espectadores que, no entanto se reencontram na sequência final. Distribuiu as palavras, as frases, os diálogos, o texto, por vozes singulares, por grupos, ou por elementos corais. A progressão da ação é, assim, acompanhada pela progressão física de atrizes e de espectadores pelos diferentes espaços da Quinta, com início no exterior, junto ao edifício principal. A casa, os jardins, os caminhos, os lagos, um universo outrora primorosamente estruturado, até nos seus efeitos de natureza redesenhada, e hoje em dia no mais constrangedor abandono, são transfigurados pelo impacto das ações, das vozes, das presenças das artistas; ainda nem tudo estava pronto quando assistimos a um ensaio, mas era palpável já a estranha inquietação que se desprende quer romance, quer da sua versão teatral.
Rita Rocha Silva, Mariana Fonseca, Cirila Bossuet e Margarida Coelho, intérpretes de algumas das personagens centrais, integram um grupo de 17 atrizes. A banda sonora é de Noiserv, o som é de Reinaldo Gonçalves, os figurinos são de Isadhora Müller e o desenho de luzes é de Carlos Arroja. (...)».
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