segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

FILME | «A Favorita»



E
m “A Favorita”, a rainha Ana de Inglaterra (1665-1714), que não deixou descendência aos Stuarts, é uma tresloucada caprichosa, boçal e doente. Estamos algures no curto reinado da sua não muito longa vida, na primeira década do século XVIII. A Inglaterra continua em guerra com os rivais do costume do outro lado da Mancha e Ana, não muito ralada, gere o reino à beira da bancarrota com uma sobranceria espelhada nos olhos arregalados de Olivia Colman, que tem aqui um papel extraordinário. O que se passa na Corte da rainha, por si só uma antecâmara da putrescência do poder? Coisas não muito bonitas que este filme certamente se encarrega de exagerar perante o que aconteceu na realidade histórica — e nada de errado há a apontar aqui, já que a farsa é assumida. Sem ter conseguido dar ao reino um herdeiro — abortou 17 vezes — Ana é uma mulher amarga, com 17 coelhos na sala real que ela trata como se fossem filhos. Só quer ser amada. Mas o que nos espera nos oito capítulos em que o filme se divide são histórias de alcova, golpes baixos, sorrisos amarelos, intrigas de toda a ordem, nada de elegante, de facto — e assim começa Yorgos Lanthimos a corromper do osso o paradigma de filme de época british, isto é, a fugir tanto quanto pode do modelo da BBC. Na Corte de Ana, uma lady que é maria-rapaz, bem casada com um oficial que está longe dali, na frente da batalha, goza de uma liberdade de movimentos intocável e que o título do filme sublinha: Sarah, duquesa de Marlborough (Rachel Weisz), não é apenas a favorita da rainha, é também secretária, confidente, conselheira, e algo mais que é segredo. 
Acontece que Sarah recebe em seguida uma prima afastada caída em desgraça financeira e que, apesar da lady que também é, chegou à Corte com a cara enlameada, uma mão à frente a outra atrás, para servir de criada, Abigail (Emma Stone). Num certo final de tarde, Abigail vai descobrir o segredo que liga as duas outras mulheres. Arrivista sem escrúpulos, vai tirar desse trunfo tudo o que é capaz para trepar na hierarquia. Entre as primas, Sarah e Abigail, começa a gerar-se então uma guerra figadal que só não chega a um ‘vale tudo menos arrancar olhos’ (e ainda assim...) porque a rainha a testemunha ­e com um certo gozo ­ acima de todas as coisas. “Para mim, começa tudo pela história das três mulheres”, contou-nos Yorgos Lanthimos no London Film Festival, em outubro do ano passado, um mês depois da estreia mundial desta obra em Veneza (que a brindou com o Grande Prémio do Júri e a Olivia Colman com a Taça Volpi de Melhor Atriz). “O argumento veio parar-me às mãos [na verdade, foram os produtores do filme, Ceci Dempsey e Ed Guiney, que lhe ofereceram o projeto; “A Favorita”, de resto, é o primeiro filme realizado pelo grego que o próprio não escreveu], hesitei em aceitá-lo, não tinha ainda feito um filme de época. A base do texto era política e eu não me sentia confortável neste terreno. Mas, à medida que fui desenvolvendo o projeto, deixei-me levar pelo argumento [de Deborah Davis e Tony McNamara] e procurei aperfeiçoá-lo. Tratei então de corrigir algumas coisas e de desviar a atenção extrema que Deborah dera à política, precisamente para aquilo que liga as três mulheres, tal como acontece com o “Lágrimas e Suspiros”, de Bergman. Era preciso descobrir outro tom, eventualmente divertido, mais relevante e contemporâneo, quer na linguagem, ­ e é aqui que a contribuição de Tony se torna fundamental —, quer no uso da música. O que me interessou foi sempre o que se passa entre as três personagens, as suas histórias privadas, e aquilo pelo que já passaram no momento em que o filme começa, sobretudo a rainha. Neste ponto, ‘A Favorita’ não difere assim tanto dos meus filmes anteriores, pois incide num tema que me fascina desde sempre: a claustrofobia.” (...) - Semanário Expresso | 9FEV2019| Artigo  de Francisco Ferreira - «Um ninho de víboras». 






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